Nos últimos tempos temos visto uma enormidade de tratamentos sendo aplicados nos pacientes, para as mais variadas doenças. Muitos tratamentos, inclusive, com propostas mirabolantes de cura e/ou melhora dos sintomas. No código de ética de todas as profissões da área da saúde, está bem claro que “não devemos aplicar intervenções, que não sejam comprovadas cientificamente”. Ponto!
Mas eu pergunto: há evidência científica para tudo? A resposta é: NÃO! Não há! E na verdade há coisas que nem precisam.
Quero deixar aqui alguns tópicos importantes para análise e compreensão. Com maturidade, vamos ler esse texto e não nos deixar influenciar pelos nossos pontos de vista, ou seja, nossa crença de “que se eu faço, é porque é bom”.
Quando posso abrir mão da evidência científica para aplicar um tratamento?
Evidência Inequívoca
Há situações, onde não é preciso da evidência para agir com o paciente, pelo simples fato de parecer “óbvio”. Dou como exemplo: se um paciente estiver sangrando muito, após um trauma em uma artéria, não é necessário fazer um estudo para provar que estancar o sangramento é melhor que não estancar. Ou se eu tenho um paciente com parada cardíaca, será que devemos fazer um ensaio randomizado para provar que usar um desfibrilador é melhor que não usar? Pois bem, isso se chama Plausibilidade extrema, onde eu aplico uma conduta clínica, pelo simples fato de ser o melhor caminho a se seguir naquele momento, obviamente.
Quando não se tem mais nada para fazer.
Em casos extremos, onde o paciente está com morte eminente, e já se esgotou todas as possibilidades, assume-se o risco de tentar algo não comprovado, a fim de mudar o curso da situação. Isso é chamado de Curso Clínico Inexorável. Outro exemplo atual foi o uso de hidroxicloroquina, para pacientes com COVID 19, lá no início da pandemia. Naquela época, não se tinha informações suficientes sobre a doença, nem sobre o remédio. Assume-se, então, a possibilidade de uso nessas condições, já que não havia mais nada para se fazer. Com a evidência surgindo com o tempo, deixamos de usar para o tratamento, pois comprovou-se ser ineficaz o seu uso.
Evidência indireta
Essa possibilidade, é a que mais pode-se atuar, e cito um exemplo da área da fisioterapia. Há atualmente alguns estudos que mostram que mobilização passiva (quando o fisioterapeuta literalmente movimenta a articulação do paciente) em pacientes que necessitaram de imobilização (gesso, tala gessada, bota ortopédica) após fratura, é bom para ganha de amplitude articular. A maioria dos estudos, estão em cotovelo e joelho. Se algo acontecer no quadril, por exemplo, eu posso usar indiretamente as evidências do joelho e cotovelo, assumindo que funcionará também no quadril, mesmo que não exista algum estudo diretamente para o quadril.
Outro exemplo é em pacientes idosos, onde uma intervenção para ganho de força muscular, que é feito em adultos jovens, podem à vir funcionar também em idosos, mesmo que de forma diferente. Pode não existir estudos em idosos, mas assumimos que mesmo que indiretamente os efeitos possam acontecer no idoso. Ou estudos feitos em atletas, mas que utiliza-se na população não atleta. Ou seja, se funcionou com o atleta, pode vir à funcionar com a população não atleta.
Essas situações, pode-se assumir a responsabilidade de não ter evidência. Afinal, não é necessário ser escravo da evidência, mas usar ela para ser um guia de trabalho.
Algumas frases comuns, mas que deve-se pensar um pouco.
Mal não faz
Frase comum que ouve-se em clínicas. É bom pensar que se Mal não faz, bem também não. Dificilmente algo que não tem efeito maléfico, terá efeito benéfico. Por exemplo o exercício físico, que se bem praticado, pode ser base de cura e alívio para diversas doenças, mas que se em exagero ou mal feito, trará danos importantes à saúde. Beber água, também é um bom exemplo: na medida certa nos hidrata. Se bebermos demais, nos mata. A diferença é a dose.
Migração direta para tratamento com terapias alternativas
Se o paciente migra diretamente de uma terapia comprovada e vai para um tratamento não comprovado, mesmo que chamado natural, e não continua o tratamento anterior, há a possibilidade de existir grande piora do seu quadro de saúde. Quanto ouvimos de pacientes que passaram a tratar doenças baseadas em crenças religiosas e/ou remédios naturais, e largaram a quimioterapia, o resultado muitas vezes é desastroso. Usar a terapia complementar para trazer bem estar, associada à terapia eficaz, pode ser um bom caminho. Mas substituir uma pela outra, deve ser questionado
Mas meu paciente quer.
Ter uma decisão compartilhada com o paciente, não é o mesmo de fazer o que o paciente quer. Se souber que não há evidência para aquilo que o paciente deseja fazer, ou saber que há evidência que não funciona, é necessário ser prudente e não realizar o tratamento que o paciente deseja. Por exemplo a ventosaterapia para tratamento de dor lombar, muito usada atualmente mas que há clara evidência em ensaio clínico randomizado que não tem efeito melhor que o placebo. Ou seja, fazer nada e fazer ventosa para dor lombar, é a mesma coisa.
Aliás, ventosaterapia pode até trazer danos na pele, causando feridas graves. Ou utilizar o RPG para tratamento de escoliose, também já comprovado que não funciona. Ou até mesmo hidroxicloroquina para tratamento de COVID19, que também sabe-se que não tem efeito. Compartilhar com o paciente as possibilidades de tratamento e dar o poder de escolha, é diferente de fazer o que o paciente quer.
Importante sempre assumir a postura cética, ou também conhecido Hipótese nula. Enquanto não há evidencia de que algo funciona, assume-se SEMPRE que não funciona. Cada real gasto com tratamentos infundados, perdemos a possibilidade de investir em tratamentos eficazes e que podem melhorar em muito a vida das pessoas.